sexta-feira, 2 de julho de 2010

Capítulo 36


Foi uma espera interminável. Não sei quanto tempo se passou nos relógios, esse tempo anônimo e universal dos relógios, alheio aos nossos sentimentos, aos nossos destinos, à formação ou ao desmoronamento de um amor, à espera de uma morte. Mas, quanto ao meu próprio tempo, foi imensurável e tortuoso, repleto de idas e retornos, um rio obscuro e tumultuoso às vezes, e às vezes estranhamente calmo, quase mar imóvel e perpétuo, onde Maria e eu estávamos frente a frente, contemplando-nos estaticamente, e outras vezes volvia a ser rio e nos arrastava como num sonho aos tempos da infância, e eu a via correr desenfreadamente em seu cavalo, com os cabelos ao vento e os olhos alucinados, e eu me via em meu povoado do sul, no meu quarto de enfermo, o rosto pregado ao vidro da janela, mirando a neve com os olhos também alucinados. E era como se nós dois tivéssemos vivido em corredores ou túneis paralelos, sem saber que íamos um ao lado do outro, como almas semelhantes em tempos semelhantes, para encontrarmo-nos no fim desses corredores, diante de uma cena pintada por mim, como chave a ela só destinada, como um secreto anúncio de que já estava ali e que os corredores se haviam por fim unido e que a hora do encontro tinha chegado.
A hora do encontro tinha chegado! Mas, realmente, os corredores tinham-se unido e nossas almas haviam-se comunicado? Que estúpida ilusão fora tudo isso! Não, os corredores seguiam paralelos como dantes, conquanto agora o muro divisório fosse como um muro de vidro e eu pudesse vê-la, a Maria, como uma figura silenciosa e intocável... Não, nem sequer esse muro era simples assim: às vezes voltava a ser de pedra negra e então eu não sabia o que se passava do outro lado, que era dela nesses intervalos anônimos, em que estranhos episódios aconteciam; e até pensava que nesses momentos seu rosto se modificava e um trejeito de escárnio o deformava e talvez trocasse risos furtivos com outros e toda a história dos corredores era uma ridícula invenção ou crença minha e que em todo o caso havia um só túnel, obscuro e solitário: o meu, o túnel em que havia transcorrido minha infância, minha juventude, toda a vida. E num desses trechos transparentes do muro de pedra eu divisara esta mulher e crera ingenuamente que vinha do outro túnel paralelo ao meu, quando na realidade pertencia ao imenso mundo, ao mundo sem limites dos que não vivem em túneis; e talvez se tivesse acercado por curiosidade de uma de minhas estranhas janelas e entrevisto o espetáculo de minha irremediável solidão, ou lhe houvesse intrigado a linguagem muda, a chave do meu quadro. E então, enquanto eu avançava sempre pelo meu corredor, ela vivia lá fora sua vida normal, a vida agitada das pessoas que vivem do lado de fora, essa vida curiosa e absurda onde há bailes e festas e alegria e frivolidade. E às vezes sucedia que, quando eu passava defronte de uma de minhas janelas, ela estava esperando-me muda e ansiosa (por que esperando? e por que muda e ansiosa?); mas às vezes sucedia ela não chegar a tempo ou se esquecer deste pobre ser encarcerado, e então eu, com o rosto colado ao muro de vidro, via-a ao longe sorrir ou dançar despreocupadamente ou, o que era pior, não a via em absoluto e imaginava-a em lugares inacessíveis ou torpes. E então sentia ser o meu destino infinitamente mais solitário do que havia concebido.

SÁBATO, Ernesto. O túnel. Tradução de Noelini Souza. São Paulo; Alfa-Ômega. 1976.

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